Como Emma Bovary, parece que todos precisam de likes e juras de amor
No clássico de Gustave Flaubert, Madame Bovary atravessa um largo campo agrícola para se encontrar com o jovem Rodolfo. Passam a tarde fazendo amor diante de um antigo carrilhão francês. Na hora da despedida, ela olha fixamente para o amante e sussurra:
— Quando o relógio marcar meia-noite, promete que estará pensando em mim?
No encontro seguinte, no que Rodolfo agarra Emma para jogá-la na cama, ela contém o gesto e, terna, quase infantil, pergunta se ele cumpriu o que havia prometido.
— Tolinha — responde Rodolfo. — Do que está falando?
A mulher se desespera. Então ele não se lembrava do diálogo amoroso? Não pensava nela noite e dia com a devoção de um Romeu enamorado? O que queria do relacionamento? Sexo e nada mais?
— Não seja ridícula — diz Rodolfo, que vira as costas para preparar o café.
Entre todos os pecados de Emma Bovary, o pior foi a exigência existencial de ser amada. Ajoelhou-se e pediu dramáticas desculpas ao amante — “como sou tola, como sou tola!” — porque não suportava o mínimo indício de desprezo.
Diante da demonstração de fraqueza, Rodolfo deu um jeito de dispensá-la com um beijinho na bochecha.
***
Essa ramificação do bovarismo — o desejo de ser amada(o) — pode ser vista dia após dia nas redes sociais. De certa maneira, quanto postamos uma foto no Instagram ou um comentário no Facebook, estamos todos repetindo o pedido que Emma ingenuamente faz ao amante: dê likes, por favor, para mostrar que está pensando em mim. Mais do que distraído, porém, Rodolfo é indiferente, covarde, cruel e sarcástico.
O fenômeno pode ser visualizado com mais destaque quando o post pertence a alguém famoso, alguma celebridade cuja opinião, com ou sem justa causa, é sempre levada em conta pelo comum dos mortais. Ali está Emma implorando atenção incondicional enquanto o desalmado Rodolfo faz pouco da fragilidade que se esparrama aos seus pés.
Quando a celebridade pisa na bola, então, parece que o mundo vem abaixo. Depois de uma escrotice mal explicada (normalmente declarações tidas como preconceituosas por parte dos famosos), o inútil e tedioso pedido de desculpas, que parece ser obrigatório, faz com que o mundo termine pela segunda vez.
— Tolinha(o) – dizem as multidões ao ex-ídolo. — Não seja ridícula(o)!
É o momento triunfante em que o anônimo se sente superior ao intuir que, afinal de contas, um famoso também pode cair do cavalo e demonstrar a mesma humanidade dos outros internautas.
Mas até aí tudo bem.
O grande problema é que não são só os escrotos que pedem desculpas ou voltam atrás em suas opiniões. Muita gente qualificada que nos últimos tempos tentou problematizar questões de interesse público não resistiu ao expurgo das redes e se desculpou com a docilidade de quem está carente de amor.
Fernanda Torres, que teve a audácia de questionar a vitimização entre as feministas, e Mallu Magalhães, acusada de explorar a sensualidade de modelos negros num videoclipe, são apenas os exemplos mais notórios de intelectuais e artistas que se renderam ao bovarismo dos nossos tempos.
Reconhecer o erro, quando ele existe, é uma coisa, mas sair distribuindo desculpinhas para agradar a oposição é outra bem diferente. Desse jeito o debate não evolui, simplesmente porque ninguém tem coragem de questionar os dogmas estabelecidos, e assim as patrulhas infiltradas nas redes sociais, sem exagero da afirmação, acabarão por se tornar mais poderosas do que as antigas máquinas de censura governamental.
E o pior de tudo é que essas desculpinhas com mimimi vão sempre fracassar em seu objetivo de manter o relacionamento estável. Rodolfo nunca amou Madame Bovary. Diante da demonstração de fraqueza, vai dispensá-la sem ao menos um beijinho na bochecha.