Fernando Reinach
Estadão
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Nosso
futuro próximo depende de como o sistema imune se comporta quando
encontra o SARS-CoV-2. Muitas pessoas lidam facilmente com o vírus,
exterminando o invasor sem sequer apresentar sintomas. Outros apresentam
sintomas, mas se curam em casa. Algumas pessoas manifestam a forma
grave da doença. Essa diversidade demonstra que alguns organismos estão
mais preparados que outros para lidar com o coronavírus. A razão dessa
diferença ainda é desconhecida.
E, depois
da infecção, a imunidade dura quanto tempo? Apesar de os cientistas já
estarem investigando essas questões, os resultados são preliminares e as
respostas iniciais estão ainda longe de serem definitivas, uma vez que
as pessoas que foram infectadas há mais tempo tiveram contato com o
vírus em janeiro de 2020.
VÍRUS SEMELHANTES –
O interessante é que o SARS-CoV-2 tem vários primos, vírus cuja
sequência de DNA é muito parecida à do novo coronavírus, e com os quais
já convivemos no passado e continuamos a conviver no presente. Todos
infectam nosso sistema respiratório e causam sintomas semelhantes, mas
de diferente severidade.
O mais
semelhante ao SARS-CoV-2 é o SARS-CoV-1, que apareceu em 2003, se
espalhou por 26 países, infectou 8 mil pessoas, e foi banido da face da
Terra por um processo rigoroso de rastreamento de contatos.
Ele é mais
letal que o novo coronavírus, mas muito semelhante: uma de suas
proteínas principais é 100% igual à do novo coronavírus e outra é 90%
idêntica.
RESPOSTA IMUNE –
O interesse dos cientistas é na resposta imune das quase 8 mil pessoas
que foram infectadas em 2003 pelo SARS-CoV-1. Entender a resposta imune
dessas pessoas pode nos ajudar a prever como será nossa resposta ao novo
coronavírus.
Além disso
existem outros quatro coronavírus (OC43, HKU1, NL63 e 229E) também
bastante semelhantes ao SARS-CoV-2 com os quais todos nós convivemos
constantemente. São os vírus que causam os resfriados que nos atacam
todo ano. Nosso sistema imune está tão acostumado com esses vírus que
sequer necessitamos de vacinas para lidar com eles. Geralmente temos um
leve mal-estar, coriza, um pouco de febre e logo saramos.
MEMÓRIA IMUNOLÓGICA –
Foi com esses fatos na mente que um grupo de cientistas resolveu
comparar a memória imunológica de 36 pessoas que já haviam se recuperado
da COVID-19 (haviam sido infectados recentemente pelo SARS-COV-2) com a
memória imunológica de 23 pessoas que haviam sido infectadas pelo
SARS-CoV-1 em 2003 e outras 37 pessoas que nunca foram infectadas pelos
dois SARS-CoV, mas tiveram repetidas infecções pelos coronavírus do
resfriado comum.
O primeiro
resultado importante é que 100% das pessoas que tinham sido infectadas
pelo SARS-CoV-2 tinham anticorpos circulantes contra as proteínas NP e
RBD (são os nomes das proteínas do vírus).
Já as
pessoas infectadas pelo SARS-CoV-1, mesmo 17 anos depois da infecção,
ainda possuíam anticorpos conta a proteína NP (essa é a proteína que é
idêntica entre os dois vírus), mas já não apresentavam anticorpos contra
a proteína RBD que é diferente entre os vírus.
NENHUM ANTICORPO –
E as pessoas que só tinham sido infectadas pelos vírus do resfriado não
apresentavam nenhum desses anticorpos. Isso demonstra que os anticorpos
contra a proteína NP podem durar por até 17 anos. Esta é uma forte
evidência de que a imunidade ao SARS-CoV-2 também deve durar por muitos
anos.
Quando os
cientistas examinaram a resposta do sistema imune de pessoas que somente
haviam entrado em contato com os coronavírus que causam o resfriado,
eles descobriram que em 50% dessas pessoas existem muitas células T
capazes de detectar fragmentos do SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2.
SISTEMA IMUNE –
Sumarizando: o sistema imune de 50% das pessoas que tiveram resfriados
ao longo da vida e nunca tiveram contato com os dois SARS reconhecem
proteínas do SARS-CoV-2, mas não possuem anticorpos contra o vírus.
Muito
provavelmente estas são as pessoas que têm uma forma leve da doença e
devem incluir as crianças (que sabidamente vivem com resfriado). Isso
talvez explique porque nas mulheres as formas graves são menos
frequentes.
Já 100%
das pessoas que foram infectadas pelo SARS-CoV-1 em 2003 ainda tem a
capacidade de reconhecer e combater o SARS-CoV-2, tanto através de
anticorpos quanto através de suas células T. Esses resultados demonstram
que muito provavelmente a imunidade ao SARS-CoV-2 será robusta e deve
durar por muitos anos, inclusive com a presença de anticorpos contra a
proteína NP. Além disso, o estudo sugere que repetidas infecções pelos
vírus do resfriado devem ajudar as pessoas a terem uma forma menos
severa da covid-19. Claro que esses resultados precisam ser confirmados
em amostras maiores, mas são animadores.